domingo, 28 de fevereiro de 2010

O lugar do Sol

Guardo num cantinho da memória o dia em que, orgulhosamente, assinei o meu nome no colarinho de Nuno da Câmara Pereira (num LP com fotografia do próprio em pose monárquica qb) para que, com o mesmo orgulho, o oferecesse a meu pai, a propósito do seu aniversário – o dia e o tempo em que o Círculo de Leitores era das poucas fontes que jorrava música lá por casa. Há data, era o fado o que mais se ouvia.
Estaria a mentir, nem seria honesto comigo próprio, se afirmasse que o fado se diluiu ou desapareceu da minha história com a música. Sigo com entusiasmo a reinvenção do fado na obra de Mariza, o glamour na voz de Ana Moura, agradam-me as raízes do fado faduncho de Carminho.
E se de repente o fado se envolvesse num projecto folk e, em fusão com a música tradicional escandinava, resultasse numa sonoridade popular transeuropeia? – É isso que nos propõe o Stockholm Lisboa Project.
Simon Stalspets (mandola nórdica, harmónica e voz), Sérgio Crisóstomo (violino e voz), Luís Peixoto (bandolim, bouzouki e voz) e Liana (voz) uniram as pontas da Europa, com o objectivo primeiro de enaltecer as suas raízes culturais. Em Sol, primeiro registo do projecto editado em 2007 e só recentemente por mim descoberto, transportam os seus ouvintes numa viagem entre a polka, o bairrismo lisboeta, a lezíria ribatejana e os cantares tradicionais portugueses – nota elevada para a recolha da tradição folk portuguesa e arranjos musicais, nota moderada para a escolha dos fados (para mim, talvez um pouco óbvios).
Dan Lundgerg, etnomusicologista e director da Svenskt visarkiv Musician, pergunta "haverá algo que una a polka sueca ao fado português?". Talvez o seu lugar ao sol.



segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Senhor trovador

Era uma vez .Podia ter começado assim o concerto que B Fachada deu no último sábado no Fórum Cultural de Alcochete - B de Bernardo, Fachada justificando, talvez, a utilização do B.
Semente germinada no solo fértil da Flor Caveira, o trovador de Cascais subiu ao palco, que reconheceu ser bom para o teatro, como quem caminha numa procissão - cabisbaixo, violas a alumiar o caminho (pese o facto de ter sido o primeiro pagão a gravar para a já referida editora). Sentado ao piano, luxo que confessou (a fonte segura) não ser de um artista pobre, fez esquecer a maldade meteorológica que se abatia lá fora e destilou versos e canções, numa noite que se fez provençal.
Como quem canta para a torre de um castelo ou ora em praça pública, B Fachada laureou-se de canção em canção, do piano para a viola, de viola em viola, de estória em estória, num misto de amor, escárnio e extrema boa disposição. De passeio no pónei dourado ou à chamada do seu novo homónimo, não faltaram Só te Falta Seres Mulher, Kit de Prestidigitação, Responso para Maridos Transviados, Conceição ou o mais corrido Estar à Espera ou Procurar.
Na noite que confessou estar (ainda) a aprender o timing certo para regressar em encore, B Fachada cantou solene, brindou-nos (quase) à capela e despediu-se tal como se me dera a conhecer - sentida e vigorosa prestação de Zé!.
Veio a pé e merecia ter saído de Cadillac. E é ainda muito novo!

domingo, 14 de fevereiro de 2010

(ainda o) Mercado de 2009 (III)

Foram necessários vinte e oito anos, sensivelmente uma dezena de álbuns em nome próprio e muito sucesso com a sua mais emblemática banda, para mergulhar na sonoridade de Morrissey.
Stephen Patrick Morrissey, adopta o seu nome de família e em 1982, após a emergência do movimento punk dos anos 70, assume-se como a voz dos Smiths. Anos antes, tentara um lugar nos Slaughter & the Dogs e cantara nos Nosebleeds, mas foi a parceria com Johnny Marr que o transformaria numa das grandes descobertas da pop britânica.
A caminhada entre 1984 e 1986, faz dos Smiths uma banda que deixaria o seu legado e o seu lugar na história. Entre singles de êxito, especulações sobre a sua orientação sexual, manipulação dos órgãos de comunicação e posições políticas polémicas, Morrissey cresce, estabelece-se e desmorona a sua banda de culto, lançando-se numa carreira a solo.
Tal como acontecera com os seus Smiths, o primeiro longa duração de Morrisey - Viva Hate - foi bastante bem aceite pela crítica. No entanto, alguma falta de zelo atrasa-o no lançamento do segundo registo o que, aliado à nova cena de Manchester (com nomes como os de Stone Roses e Happy Mondays), o transforma numa antiguidade pop.
Com uma longa travessia no deserto, e mesmo com alguns discos no mercado e com um período de sete anos de inércia criativa, só em 2004 Morrissey perde o estatuto de relíquia e é elevado a lenda viva do rock. You are the Quarry recoloca-o nos escaparates e arma-o na conquista de Inglaterra e América.
Até ao final da década de 00, o antigo rosto dos Smiths mostra-se por mais duas vezes - Ringleader of the Tormentors (2006) e Years of Refusal (2009) - mas é do sumo dos últimos cinco anos da sua carreira, que se faria o cocktail com que agora brindo a Morrissey. Competente, ousado, sinfónico, são alguns dos sinónimos que poderiam caracterizar Swords, uma colectânea vintage de lados-B que espanta por alguns dos temas renegados às suas principais edições.
Não é o melhor de 2009 mas é, para mim, o mais surpreendente.